Doía ser mulher
doía no estômago
Doía ser santa
a escrava da moral invisível
Doía ser puta
a dona da carne perecível
Doía ser refém do desejo dele
mas doía não tê-lo
Doía ser tanto
e no entanto
valer pela cor do cabelo
Doía não ter voz
e ter tudo pra dizer
Doía, adia em nós
Doía ter que ser
Doía ter que respeitar
Doía ser o pecado
Doía ter medo de andar
Pra escapar de tarado
Doía, Eva
Doía ser refém
usar salto
decote e sainha
pra se sentir viva e bem
Doíam a obrigação de ser bela
e a hipocrisia a nos engolir
Doíam os concursos de beleza
os contos fajutos de princesa
Doíam mais que o bisturi
E dava medo, Eva
Dava medo de existir.
3 comentários:
Muito bom Livia =)
Sensacional! Muito mesmo.
Lembrei de um poema da Adelia Prado
"Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?"
Parabéns.
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