domingo, 25 de agosto de 2013



Quando acordei esta manhã no quarto úmido e escuro, ouvindo o tamborilar da chuva por todos os lados, tive a impressão de que havia sarado. Estava curada das palpitações no coração que me atormentaram nos últimos dois dias, praticamente impedindo que eu lesse, pensasse ou mesmo levasse a mão ao peito. Um pássaro alucinado se debatia lá dentro, preso na gaiola de osso, disposto a rompê-lo e sair, sacudindo meu corpo inteiro a cada tentativa. Senti vontade de golpear meu coração, arrancá-lo para deter aquela pulsação ridícula que parecia querer saltar do meu coração e sair pelo mundo, seguindo seu próprio rumo. Deitada, com a mão entre os seios, alegrei-me por acordar e sentir a batida tranquila, ritmada e quase imperceptível de meu coração em repouso. Levantei-me, esperando a cada momento ser novamente atormentada, mas isso não ocorreu. Desde que acordei estou em paz. 

Sylvia Plath

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Carta ao paraíso

Doía ser mulher
doía no estômago

Doía ser santa
a escrava da moral invisível
Doía ser puta
a dona da carne perecível

Doía ser refém do desejo dele
mas doía não tê-lo

Doía ser tanto
e no entanto
valer pela cor do cabelo

Doía não ter voz
e ter tudo pra dizer
Doía, adia em nós
Doía ter que ser

Doía ter que respeitar
Doía ser o pecado
Doía ter medo de andar
Pra escapar de tarado

Doía, Eva

Doía ser refém
usar salto
decote e sainha
pra se sentir viva e bem

Doíam a obrigação de ser bela
e a hipocrisia a nos engolir
Doíam os concursos de beleza
os contos fajutos de princesa
Doíam mais que o bisturi






E dava medo, Eva
Dava medo de existir.