terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A dor do vizinho

- Nâna, há duas horas seu vizinho está escutando essa música deprimente e ainda insiste em colocar o som no último volume! 
- Ás vezes a gente precisa escutar algo que cante mais alto do que a nossa dor.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

domingo, 25 de agosto de 2013



Quando acordei esta manhã no quarto úmido e escuro, ouvindo o tamborilar da chuva por todos os lados, tive a impressão de que havia sarado. Estava curada das palpitações no coração que me atormentaram nos últimos dois dias, praticamente impedindo que eu lesse, pensasse ou mesmo levasse a mão ao peito. Um pássaro alucinado se debatia lá dentro, preso na gaiola de osso, disposto a rompê-lo e sair, sacudindo meu corpo inteiro a cada tentativa. Senti vontade de golpear meu coração, arrancá-lo para deter aquela pulsação ridícula que parecia querer saltar do meu coração e sair pelo mundo, seguindo seu próprio rumo. Deitada, com a mão entre os seios, alegrei-me por acordar e sentir a batida tranquila, ritmada e quase imperceptível de meu coração em repouso. Levantei-me, esperando a cada momento ser novamente atormentada, mas isso não ocorreu. Desde que acordei estou em paz. 

Sylvia Plath

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Carta ao paraíso

Doía ser mulher
doía no estômago

Doía ser santa
a escrava da moral invisível
Doía ser puta
a dona da carne perecível

Doía ser refém do desejo dele
mas doía não tê-lo

Doía ser tanto
e no entanto
valer pela cor do cabelo

Doía não ter voz
e ter tudo pra dizer
Doía, adia em nós
Doía ter que ser

Doía ter que respeitar
Doía ser o pecado
Doía ter medo de andar
Pra escapar de tarado

Doía, Eva

Doía ser refém
usar salto
decote e sainha
pra se sentir viva e bem

Doíam a obrigação de ser bela
e a hipocrisia a nos engolir
Doíam os concursos de beleza
os contos fajutos de princesa
Doíam mais que o bisturi






E dava medo, Eva
Dava medo de existir.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Tatiana Belinky e o feitiço do verbo



“[...] Porque dentro de um livro cabe um castelo, uma floresta, uma cidade inteira…”

Em 1919, uma guerra civil assolava o território russo. Viver na terra de Stálin havia se tornado uma opção arriscada demais para aquela família, que, em meio a tanta confusão, resolveu migrar para a Letônia algum tempo depois. A menina Tatiana tinha pouco mais de um ano.

Tatiana passou parte da infância naquele país, na cidade de Riga. Sempre apaixonada por livros, aprendeu a ler cedo, descobrindo, por meio da leitura, um universo infinito de coisas infinitas. Em 1929, com dez anos de idade, teve de partir para o Brasil com a família, em decorrência de inúmeros problemas políticos e sociais na Letônia. Naquele ano, chegava ao Rio de Janeiro, a jovenzinha que seria uma das mais proeminentes escritoras da nossa literatura infanto-juvenil, Tatiana Belinky.

Ainda que em território desconhecido, a pequena não hesitou em querer conhecer a literatura da nossa terra. Um dos primeiros textos que leu em Português foi uma biografia de Monteiro Lobato. Desde então, Belinky passou a se familiarizar com as nossas letras. Lobato já era um renomado escritor. Nesta época, criava polêmicas com suas críticas sociais ,ao mesmo tempo em que adquiria uma legião cada vez maior de leitores por sua obra fascinante.

Tatiana casou-se com Júlio Gouveia, intelectual com quem escreveu em parceria, adaptando grandes clássicos infantis para o teatro. Naquele tempo, não havia teatro para crianças. O casal foi precursor na arte de entreter o público infantil nos palcos. A primeira peça foi uma adaptação do clássico Peter Pan.

Lobato
Certa noite, Tatiana recebeu um telefonema inesperado. Era o escritor Monteiro Lobato, que queria conhecer seu marido, Júlio Gouveia, porque havia se encantado por um texto do dramaturgo. Pouco tempo depois, Lobato fez uma visita ao casal, tomou um cafezinho, e os três conversaram durante duas horas. Júlio e Tatiana quase não acreditavam que aquilo estava acontecendo. O casal mantinha uma admiração tão intensa pelo escritor, que depois de se despedir do pai de Emília e Visconde com um aperto de mão, Gouveia brincou: “Nunca mais lavo esta mão!”

A relação do casal com Lobato não terminaria ali. Tempos mais tarde, Tatiana e Julio foram convidados para elaborar a primeira adaptação do “Sítio do Pica Pau amarelo” para a TV. A fazenda de dona Benta saiu dos livros para a telinha na década de 1950, encantando até mesmo o público adulto.

Tatiana nas prateleiras
Em 1985, Tatiana lançou-se também como escritora de livros, chegando a publicar 150 obras que a renderam uma série de prêmios, como o Jabuti de 1989. Ao enumerar os sonhos de sua infância, a escritora certa vez contou que um deles era o de ser bruxa. Uma bruxa boa que pudesse transformar tudo com um toque de magia.

Aos 94 anos, Tatiana talvez tenha se dado conta de que não precisou ter se tornado uma bruxa para transformar a vida de milhares de crianças por meio do toque mágico e sublime de sua literatura. Embora tenha nos dado adeus no último domingo, deixou um caleidoscópio literário que ainda promete colorir a infância de muita gente.

domingo, 16 de junho de 2013

Forma

Para existir, é preciso pertencer. Nós, águas, só nos sentimos realmente vivas quando estamos certas de que pertencemos a algo ou a algum lugar. Ser água por água é não ser coisa nenhuma. Isso talvez justifique nossa aparente indefinição.

Somos líquidos submissos e vulneráveis ao que nos venha possuir. Se estamos no copo, somos cilindro; se estamos no rio ganhamos a forma do leito; se estamos no mar, temos gosto de sal. E vivemos em busca do que nos possa definir da maneira mais confortável. Vivemos presos à necessidade de ser algo, de ser alguém. De ser de algo, de alguém.

E assim como a água do copo precisa estar dentro dele, o copo da água precisa dela para estar completo. O leito do rio sem água não é rio, a água do rio sem o leito, tampouco. É por isso que nos tornamos nuvens, invadimos os corpos, despencamos nos lagos, nos arrastamos até o mar. Vivemos inquietas e inconformadas, temos saudade de onde viemos, queremos ter pra onde ir.

E embora nossa forma instável nunca mude, almejamos, ao menos, a estabilidade que só o pertencimento nos rende. Seja cálice, seja lagoa, seja o que for. Assim, as partes do mundo se constroem quando, na indefinição,  se aliam ao que têm como fonte de completude.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

dona cora sabia das coisas



Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe,
tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio
para levantar novo rancho e comprar suas pobrezinhas.
O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra. A mulher ouviu.
Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa. Qual dos dois ajudou mais?
Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
“A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar.”
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca,
apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse o desvalido não morreria de fome?
Conclusão: Na prática, a teoria é outra.

(Cora Coralina, em Confissões de Aninha)

domingo, 26 de maio de 2013

céu


correr pode parecer libertador.
porque quando se corre, os caminhos são apenas vultos e as paisagens, uma porção de cores que se misturam numa euforia louca conforme o movimento dos nossos olhos.

não há verdade, não há mentira, não há prisão, só a ilusão de escolher um formato para os desenhos indefinidos ao longo da estrada.

mas de repente você tropeça na pena de um pássaro, que te obriga a parar um instante,  te oferece carona e te chama pra voar.

você, a princípio, tem medo. se desespera.

porque ele quebra suas verdades de cristal e se propõe a te ajudar a montá-las, não por caridade, mas para conhecer cada fragmento do que nem você mesma compreende.

em troca de quê?
da sua companhia.

e, por fim, arranca a superfície dos seus medos até que você se sinta nua e  pronta pra vestir uma nova vida.

segunda-feira, 29 de abril de 2013


"e por que me permito soltar das mãos que pintaram as estrelas e seguram as lágrimas que caem?"

terça-feira, 23 de abril de 2013

Disco


Ela vivia seus dias
sem jamais cantar em vão.
Com saudades do amado,
esperava encontrá-lo
como quem busca o belo embalo
que há na doçura de um refrão.

5 de janeiro de 2011



Confissão


Quis achar a minha paz na inquietação da sua alma
fui buscar felicidade em sua feição amargurada
 Procurei minha euforia em teus surtos de silêncio
E até hoje não entendo
como é que há tanto tempo
eu me encontro em você.

setembro/2010


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Desencontro


ela não quis escutar, ele queria dizer
ele tapou os ouvidos, ela tentou escrever
ela tremia em fúria, ele queria entender
ambos buscavam a paz, ambos queriam saber

ela virou a esquina
ele pegou qualquer trem
ambos sofriam afoitos
ambos não viam ninguém

depois do tempo passado
viram um baú trancado
nem ele
nem ela
abririam o cadeado

o adeus fechou a caixa,
e enfeitou com belas fitas
deixando ali guardadas
as palavras nunca ditas
7 de julho de 2010

sexta-feira, 29 de março de 2013

mãos cheias


Você vai ficar pensando nas mil coisas que tem pra fazer. Vai se matar tentando cronometrar suas funções e montá-las em sua agenda como um quebra-cabeça. No fim das contas, vai conseguir colocar apenas uma peça no lugar: aquela que, sem você notar, se tornou prioridade pra você.

As prioridades saltam e invadem sua rotina, pintando seu tempo hábil de uma só cor. E você não tem culpa. Você fez o que pôde.

Então o jeito é você descansar com a consciência tranquila.

Fique uma rodada sem jogar.

quarta-feira, 6 de março de 2013

sexta-feira, 1 de março de 2013

Uma razão às avessas


Entre as máximas de Voltaire, está aquela que, para mim, representa o ápice do equilíbrio racional: “Posso não concordar com nenhuma palavra que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-la.” Fruto de uma geração de pensadores guiados pelo livre uso de uma razão bombardeada por fanáticos dos mais variados calibres, o filósofo, também poeta, dramaturgo e romancista, procurava basear sua obra em pensamentos independentes de qualquer conceito prévio que pudesse esbarrar em suas ideias.

Assim como o francês, outros intelectuais, conscientes de que a tolerância e o respeito deveriam andar juntos, viam na análise ponderada de credos e modos de vida, um caminho de luz e sabedoria. Quase 300 anos depois da publicação da primeira obra de Voltaire, a mesma razão que desatou o nó do Antigo Regime no século XVIII e respingou ideais de liberdade no mundo inteiro tem ganhado novas faces. A mais ridícula delas aparece sob a forma de preconceito. Sobretudo, um grupo em especial me chama a atenção: o de ateus que, assim como religiosos que subestimam o caráter dos alheios à fé, questionam a bagagem intelectual de teístas, contrapondo fé e razão de maneira tosca e grotesca .

É fato que o repúdio cego aos ateus é comum e pobre, como já mencionaram Eliane Brum e Dráuzio Varela (colunistas de quem gosto muito) em artigos publicados em grandes veículos de comunicação. Mas, por outro lado, há um grande número de ateus que não hesita em atacar criacionistas, seja em sátiras superficiais e ofensivas nas mídias sociais, seja em rodinhas de conversa entre amigos. O mais engraçado é que a maioria deles justifica a descrença em Deus em um discurso pautado na razão, mas se afasta de um dos princípios básicos do pensamento racional: a tolerância.

Sim, Voltaire deve estar se remoendo na cova. A propósito, duvido que algum filósofo iluminista, de Spinoza a Rousseau, estaria em paz consigo mesmo com essa situação. Voltaire era cristão. Spinoza, uma espécie de panteísta. Diderot, ateu. Entretanto, nenhum deles abriu mão de pensar de forma coerente frente às ideias alheias, apesar das claras divergências entre a forma como encaravam a metafísica.

A Igreja matou milhões, a política está repleta de cristãos militantes, oportunistas ou não. Ok. Mas isso não deve justificar a insensatez de quem pretende combater a cegueira moral com a mesma moeda. O que é bom, a gente repassa, o que é ruim, a gente descarta. Isso é tão simples!

27 de abril de 2012

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


Era um continente que se orgulhava em ser o único chão do planeta em meio ao oceano. Seu nome era Pangeia. Ele vivia satisfeito e completo até começar a se fragmentar. Depois de ser despedaçado e se tornar cinco bloquinhos dispersos sobre o globo, passou a formular planos para unir todas as suas partes da melhor forma possível.

Era exatamente por isso que, durante a Idade Moderna, algo dizia à Europa que havia alguma coisa a mais do que água no fim do Oceano Atlântico. Aquele sentimento que atraia as naus e caravelas portuguesas e espanholas para a América era a saudade que a Pangeia tinha do seu outro pedaço. Saudade essa, que nem mesmo as os fatores exógenos e endógenos da Terra, que corroíam as rochas por dentro e por fora, conseguiam destruir.

O tempo foi passando… Deu-se a colonização do “novo mundo”. A América passou a ser parte da Europa. Depois a Ásia e a África também foram integradas. A Oceania se juntou depois. Não digo que foi um processo justo e perfeito, mas foi a forma que a pobre Pangeia encontrou para poder estar completa novamente. Depois das embarcações, surgiram os telégrafos, aviões, telefones, televisões, computadores. E a Pangeia ia encaixando suas peças como num quebra-cabeças.

Hoje, quase não há limites entre a Europa, a América, a Ásia, a África e a Oceania. Com um simples clique, a Itália pode se ligar ao Chile, por exemplo. E ainda que o Paquistão use um véu e o Caribe use biquíni, os dois não vivem sozinhos.

Da mesma forma, eu não vivo sem as tantas pessoas que fazem parte de mim.
Da mesma forma, Carol, mesmo que você escute músicas do Líbano e eu goste de Claudinha Leitte, precisamos estar juntas. Da mesma forma , ainda que você passe anos sem vir me contar as novidades, eu serei sempre uma Pangeia que sente sua falta quando você está longe.

Lívia
11 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

segredos

O tempo nos revela seus mistérios como quem abre um pergaminho sob um ritmo passível de leitura. Ele se nega a nos mostrar parágrafos que não conseguiremos ler agora.

Volte duas casas.

domingo, 24 de fevereiro de 2013



"amar não significa ter que sacrificar partes de si mesmo.
amar é maior do que a soma das partes."
(a matemática do amor)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

280 dias

Janeiro quente, emprego novo: primeira semana de estágio. Sexta-feira atribulada. Redação a mil. Acidente em rodovia. Ônibus velho e caminhão de cimento. O chefe entra correndo.

- Lívia, pega o cinegrafista e vai.

Foi assim que conheci o sujeito pelo qual procurava desde os onze anos. Um velhinho descolado, de calça xadrez e óculos de sol. Quase não acreditei.

- É você, Jornalismo?

Ele ignorou meu olhar bajulador. Sem o menor glamour, me abriu um sorriso modesto e selou nosso primeiro encontro com uma piscadela marota. Talvez tenha sido um jeito de dar boas vindas. E todo dia, ele entrava de roupa nova, ora beirando o desespero, com blusão de bebum arrasado, ora sorrindo até as orelhas, de batinha estilo Gandhi. E eu ficava olhando, esperando ansiosa pela roupa seguinte. Até ele gritar comigo e me propor um convite quase que compulsório:

- Tá esperando o quê, menina? Vá se trocar, agora!

Entrei no armário dele. Vi gente triste, vi gente alegre, vi gente presa, gente com sorte, gente má, gente boa até demais. Me despi de mim pra me vestir de vida. O velhinho achou graça.

- Agora sim!

Saí na rua e vi um mundo esquisito. O mundo de Nelson Rodrigues, de Dostoievski, de Machado… O mundo louco e realista que por muito tempo eu me neguei a enxergar. E os grandes mestres, antes refutados por meu espírito utópico e minha alma lunática, deram gargalhadas, parados em minha frente.

- A gente bem que tentou te avisar.

Soltei da mão de Alice. Me despedi da Rainha de Copas e do Chapeleiro Maluco. Olhei pro tal Jornalismo:

- Agora eu vou com você.

Da floresta encantada, fui cair numa selva cujo encanto era o mais real possível. O velhinho virou o mundo do avesso pra mim e me fez notar as coisas muito além da superfície. Com um olhar firme e satisfeito, sorriu, como quem entrega uma missão a alguém:

- Agora conte a história, minha filha. Mostra o mundo a quem quer ver.

Deixas, sonoras e offs… ou seriam offs, sonoras e deixas? Perdida em entre termos, contatos, furos e pautas, passei a cantar baixinho, o velho mantra de Leminski:

- Distraídos, venceremos.

E, mais uma vez, o velhinho me sacudiu:

- Volta pra Terra, já!

Desde então tem sido assim. Quando me distraio em caminhos metafóricos lá do alto da montanha, ele me traz de volta pra me mostrar que Jornalismo é poesia por si só.

Oito meses depois, e aqui estou. Já chorei de medo, de pânico, de pena, de culpa, quis até ser abduzida. Mas cada vez que olho pro velhinho louco de perto, quero jurar amor eterno, jogar meu medo fora, mostrar o mundo ao mundo e abraçá-lo com vontade pra dizer sem nenhum receio:

- É um prazer te conhecer!

Talvez porque depois daquele encontro, algo me fez sentir que seríamos companheiros para o resto da vida.

Setembro/2012

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

3,2,1.



Um olhar, uma palavra, um sorriso, um silêncio repentino. Você pode se arrastar pela mesma linha cinzenta durante dias, mas vai ser um instante brusco que definirá a cor da massa abstrata que você chama de vida.

O “não, obrigado” do magnata mão de vaca pode comer metade da sua comissão na loja. O ”parabéns” do seu chefe pode ser a promoção que vai devolver seu entusiasmo. O breve sorriso doce do moço esquisito pra quem você não dava a mínima pode te prender àqueles olhos de um jeito inexplicavelmente mágico, assim, do nada. Um pequeno anúncio dizendo que sua banda favorita vai tocar na cidade pode mudar todos os planos que você tinha para o fim de semana. Um SMS daquela amiga que você achava que nem se lembrava mais de você pode alterar seu humor de uma hora para outra.

Nossa vida é composta de instantes preciosos. Mas há sempre aqueles segundos banhados a ouro legítimo. Eles são decisivos. Viver direito é reconhecê-los. É ter a certeza de que os ponteiros do relógio sabem sim aonde vão. É entender que por mais que você queira exaltar as longas páginas em branco da sua agenda, serão os pequenos instantes ocultos ali que vão mudar sua vida para sempre.

18 de julho de 2012

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A fórmula


Eu devia ter doze anos quando visitei a fábrica de Coca Cola com a turma da sexta- série. Na primeira sala de palestras, a monitora falou do 7x, a fórmula secreta do refrigerante, na época, revelada a apenas quatro pessoas no planeta. A Coca Cola foi criada como um xarope comum e bastaram algumas décadas para a solução ganhar o mundo. De lá pra cá, empresas tentaram copiar a bebida de várias maneiras, em vão. Até hoje, ninguém conseguiu atingir o ápice do sabor proporcionado pela tal fórmula misteriosa.

Quando assisti  Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004) isso me veio à cabeça. No filme, Jim Carrey e Kate Winslet são Joel e Clementine, um casal que resolve apagar da memória tudo o que viveu junto. De maneira incrível, a trama quebra com a linearidade comum aos romances convencionais e contrapõe o silêncio e as sombras à destruição gradativa de um passado que parece não querer ser apagado. A produção do francês Michel Gondry, com roteiro do novaiorquino Charlie Kaufman recebeu vários prêmios e indicações. Sua abordagem inusitada da memória surpreendeu os críticos.

O que impressiona é ver que mesmo com o fim das lembranças, o sentimento que unia o casal não morria. Parecia existir uma poção oculta ao fundo de cada lembrança apaixonada dos dois. Como se houvesse um 7X naquele sentimento que o fazia especial, viciante, secreto e, por isso, talvez, indestrutível. Alguns costumam aludir o amor às circunstâncias que o alimentaram. Assim, apagar memórias da pessoa amada parece uma opção coerente para quem quer deixar de sofrer por uma paixão, mas há algo que fica. Porque nem só de lembranças é feita uma história de amor. Existe algo mais forte que ninguém sabe o que é. Uma fórmula secreta por trás de cada impulso apaixonado, um 7x da empatia amorosa. Ele pode ou não aparecer com o passar dos dias, mas se não aparece, o amor será fajuto e estranho. No máximo, uma Pepsi.

Clementine e Joel não contavam com isso e as lacunas na memória não foram suficientes para minimizar a lacuna deixada por um amor arrancado à força de seus corações. Extraíram o xarope base, mas se esqueceram de tirar do peito, os ingredientes secretos.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013


Lembra quando tudo tinha a cor do que tinha? Quando o branco indefinido se desdobrou num prisma de sete tons puros e coloriu por completo nossas inquietações? Lembra que, na floresta, o mandruvá era só uma larvinha estranha e a girafa, uma criatura invejosa cujo pescoço era elevado para ocultar a mentira que lhe corava o rosto?

Lembra que os bêbados tomavam remédio de cavalo pra aumentar os músculos? Lembra que a gente fingia poder julgá-los? E quanto ao Duque que perdia a nobreza escorrida em tremeliques e risos fingidos? Era tão fácil ver as cores, Carol! Era tão bom pintar o mundo de sarcasmo quando o conflito vinha em preto e branco!

Era bom rir dos falsos nerds, das farofas, das titicas. E nossa maldade era justa. Queríamos pingos nos is e ignorávamos qualquer peso na alma pelo mero gostinho de recolocar cada cor no pedaço certo do arco-íris que lhe cabia.

Na pele de justiceiras, não sabíamos de nada.

A dor se meteu nisso tudo quando as interseções cromáticas entre uma faixa e outra resolveram dar as caras. Nada era cor e cor. Tudo era cor sobre cor. E com tanta bagunça, as coisas têm estado mais difíceis. Porque nos demos conta de que entre o sim e o não haverá sempre uma palavra morta que rege em silêncio toda dicotomia. Ninguém sabe dizê-la, tampouco enxergar a cor que ela tem. 

O mesmo mistério se aplica as cores de transição daquele nosso velho arco-íris. Cores, cores, dores! Pra que tanta mistura e ambiguidade, meu Deus?! Por que tanta cor sem nome? E por que precisamos enxergá-las? 

Ainda tenho pra mim que viver feliz seja fazer vistas grossas. São sete cores e só, pronto, acabou.

De qualquer forma, me avise se tiver outra ideia.
E me escreva quando puder. Estou com saudade da gente.

Beijo 
De sua eterna amiga e diário ambulante.

Lívia